Descubra como o amor pode transformar a sociedade
O ambientalista e ativista indiano Satish Kumar defende o sentimento como prática de transformação pessoal, econômica, social e ambiental
Há mais de 50 anos, Satish Kumar espalha pelo mundo suas ideias e práticas de paz e amor, com a experiência de quem caminhou 13 mil quilômetros nos anos 1970, da Índia aos Estados Unidos, para entregar um simples pacote de “chá da paz” a lideranças de potências nucleares do mundo.
Assim como grandes guias da humanidade, de John Lennon a Jesus Cristo, de Martin Luther King a Madre Teresa, de Mahatma Gandhi a Nelson Mandela, Kumar também defende ser possível condensar inúmeros ensinamentos importantes em uma só palavra: amor. Em seu mais novo livro, Amor Radical, recém-lançado pela Bambual Editora, ele escreve: “Quando existo no amor, eu passo da ganância à gratidão, da propriedade ao relacionamento, do glamour para a elegância, e do apego ao engajamento”.
Desde 1973, Kumar vive na Inglaterra, onde foi mentor de inúmeras iniciativas ecológicas e educativas, e cofundou o Schumacher College, um centro internacional para estudos ecológicos (que tem um braço brasileiro bastante ativo). Aos 87 anos, adepto da simplicidade voluntária, ele esteve no Brasil recentemente para divulgar o novo livro e assistir ao primeiro corte do documentário Amor Radical, de Julio Hey, sobre sua trajetória de vida, que será lançado no segundo semestre pela plataforma de streaming brasileira Aquarius. Em entrevista à Vida Simples, anunciou: “Quero servir no planeta Terra e nessa incrível humanidade até o último suspiro da minha vida”.
O que é o amor radical e como podemos cultivá-lo?
Existem dois tipos de amor: o amor moderado, que é amar alguém e ser amado de volta, e o amor radical, que é amar incondicionalmente, mesmo quando não gostamos da pessoa ou quando ela não nos ama de volta. Para tanto, todos os dias temos que tentar ser mais amorosos nas palavras, pensamentos e ações que dirigimos às pessoas com as quais nos relacionamos. Mas não é só isso. É preciso ainda amar a si mesmo, com a humildade de quem se aceita como é, para, então, amar todas as pessoas, sejam elas quem forem: brancos, negros, ricos, pobres, hindus, cristãos, judeus. Por último, amar a natureza como fonte da vida, sagrada, com valor intrínseco inquestionável.
Uma tríade do amor radical
Isso, amar a si mesmo, amar as pessoas indistintamente e amar a natureza. Veja, problemas como medo, ansiedade e raiva são, na verdade, falta de amor-próprio, um pré-requisito para a felicidade individual. Expandindo isso, a injustiça social vem da falta de amor aos outros, e os problemas ambientais são fruto da falta de amor à natureza.
Como podemos nos reencantar pela mãe terra?
O ponto inicial é passar algum tempo na natureza todos os dias. Saia do escritório, vá para algum lugar de natureza preservada e, então, você irá amá-la e amar a si mesmo como consequência. No mundo atual, as pessoas têm ficado mais em casa, na frente de telas, e não olham as flores, os passarinhos. É preciso estar mais na natureza para poder se reconectar a ela.
Essa é a ecologia do amor, que você menciona no livro?
Sim, quando temos uma ecologia da ciência, vemos a natureza como objeto de estudo. Uma perspectiva fria e distante. Já na ecologia do amor, ela é nossa professora, aprendemos com ela. Não a vemos como fonte de recursos ou algo inanimado. Uma árvore é boa como árvore, não apenas como madeira para nos dar abrigo ou lucro. Ela tem valor em si mesma, é um organismo vivo, inteligente, tem consciência, espírito, alma, assim como nós humanos – que, aliás, somos natureza também, não estamos separados dela.
Povos indígenas e comunidades tradicionais têm muito a nos ensinar?
Sem dúvida! Eles têm uma grande sabedoria e vivem no planeta há milhares de anos em harmonia com o mundo natural, sem envenenar, sem destruir a terra, sem serem colonialistas. A civilização industrial se tornou arrogante achando-se superior, enquanto os indígenas seriam um atraso. Isso é errado. Precisamos proteger esses povos e suas florestas e aprender com eles. Isso é uma prioridade dos nossos tempos.
Quais são os quatro obstáculos do amor radical?
Ah, sim, são eles: criticar, reclamar, comparar e controlar. Devemos evitar essas atitudes porque elas não ajudam em nada. Criticar outras pessoas e a nós mesmos nos leva a julgar, a condenar. Mas somos todos diferentes, e essa diversidade humana é incrível. Precisamos apreciar, celebrar e curtir essa diversidade. Da mesma forma, devemos evitar comparar pessoas, porque todas são únicas, especiais. Celebremos essa unicidade! E, por último, não devemos reclamar nem tentar controlar os outros, mas apenas amá-los e conviver com eles.
Se esse sentimento é tão maravilhoso, por que tanta gente vive distante dele?
Porque a educação nas escolas e universidades está condicionando as mentes das pessoas a pensar que dinheiro, poder e prestígio são o que importa, e não o amor. Precisamos de uma educação do coração, que encoraje a jardinagem, a poesia, a arte, o cozinhar ou pintar, e não uma que nos induz a ter um trabalho e ganhar dinheiro. É aí que começam todos os problemas.
É possível praticar o amor genuíno nos negócios?
Meu pai era um homem de negócios e costumava dizer que estava ali para fazer amigos. Ter lucro é bom, mas você pode estar no mundo empresarial porque gosta de gente, gosta de servir. As pessoas precisam de casas, roupas, móveis e para isso existem os negócios. Hoje o dinheiro se tornou o fim, e as pessoas viraram o meio de obtê-lo. Mas o propósito de uma empresa deve ser servir e amar as pessoas, produzir bens que sejam bons. É assim que construímos uma boa sociedade.
Como um ativista ambiental se mantém motivado diante da emergência climática?
Penso que o amor tem que ser a motivação sempre, não importa o que eu esteja fazendo. Quando temos expectativas e elas não acontecem, ficamos frustrados, raivosos, ansiosos, temos burnout. Mas, quando não queremos controlar o resultado de nossas ações e fazemos tudo com amor, não ficamos assim. A única coisa que está sob nosso controle é a nossa ação. O resto cabe ao Universo. A única razão de ser um ativista é o amor pela Terra e pelas pessoas. O amor é sempre a resposta.
Por Giuliana Capello – revista Vida Simples